Me encontro numa situação muito rara. Devo ser um item de colecionador. E fui colecionado por homens ricos e poderosos que não temem nada e nem ninguém. Podem mudar o rumo da vida de alguém e fazer tal mudança, mesmo que arbitrária, mesmo que injusta e abusiva, permanecer como a "coisa válida"... como o certo.
Sou (ou fui) servidor público municipal em Araraquara, interior de São Paulo. Entrei na Prefeitura para o cargo de agente sanitário em 13 de maio de 2002. Lembro-me como se fosse hoje que cheguei bastante tempo adiantado e, para não parecer ansioso ou afobado demais, esperei na rua até que faltasse menos tempo para o horário de entrada no serviço.
Eu vinha de uma fase de grandes esforços tentando acertar um emprego ou um empreendimento e tinha levado vários tombos, finais e recomeços. Estava muito esperançoso com o emprego público e tinha vontade de colaborar e ajudar as pessoas a resolverem seus problemas.
Logo de início, por boa colocação no concurso, nos colocaram em desvio de função. No lugar de trabalharmos no combate à Dengue, como descrito no edital, colocaram os 13 primeiros colocados para trabalhar na fiscalização da Vigilância Sanitária. A diferença de particularidades é gritante e na Vigilância tivemos que aprender a trabalhar com Leis, preencher autos e termos diversos, entender de armazenamento de produtos, conhecer as teorias de boas práticas, entender de vários assuntos "técnicos" e tivemos que aprender com a ajuda do pessoal que já estava lá e na raça.
Me dediquei e colaborei muito com a Vigilância Sanitária de Araraquara. Estive em fiscalizações de risco e em locais onde os proprietários se achavam os meus chefes. Sofri pressão dos políticos mais poderosos da cidade e nunca deixei de cumprir o meu papel e de fazer o meu trabalho em defesa da Saúde Pública e dos consumidores de Araraquara.
Não sei se dá para calcular quantas toneladas de alimentos impróprios descartamos. Foram inúmeras paralisações de atividades e interdições por falta de higiene. Alguns lugares que interditei, mesmo contrariando meus superiores, nunca mais conseguiram abrir suas portas, tamanha era a precariedade da cozinha. Ministrei inúmeras palestras para os mais variados públicos: Crianças; merendeiras; funcionários de estabelecimentos comerciais; donos de carrinhos de lanches; universitários; garapeiros e até para outras equipes da Vigilância. Muitas eu ajudei a treinar. Formulei manuais estudando em casa e com meus recursos para ajudar e profissionalizar o trabalho e o atendimento ao público. Dava sugestões e fazia propostas de melhorias sempre que tínhamos reuniões de equipe.
Me inscrevi e ingressei na Unesp, onde fui cursar Ciências Sociais e na CIPA, onde me elegi como suplente no primeiro momento e depois entrei novamente, só que como titular.
Em 2005, a Prefeitura aprovou o Plano de Cargos e ele contemplou os agentes sanitários. Fomos enquadrados como Fiscais Municipais, o que nos propiciou um aumento salarial de mais de 64%, além do ingresso em uma carreira com salários maiores e a necessidade de conhecimentos técnicos. Mas não foi nada fácil. Foi uma luta que dependeu de união e muita insistência (além de algumas gravações de conversas e promessas de políticos).
Depois de cerca de 5 anos como agente sanitário (fiscal sanitário), de ter conhecido um pouco de quase todas as áreas de fiscalização da Vigilância Sanitária e bastante aborrecido com a burocracia e a falta de interesse do Município em dar à Vigilância a importância e o respeito que ela merece, conheci o trabalho de uma equipe que obtinha resultados fabulosos usando a criatividade e à base de muito suor. Era a equipe de controle de fauna sinantrópica, ligada à então Vigilância Epidemiológica. Pedi minha transferência para esta equipe ainda no governo do prefeito petista Edinho Silva, mas negaram e consegui apenas participar de algumas atividades em hora-extra nos finais de semana.
Continuei dando o meu melhor na Vigilância, mas a disposição caia na mesma proporção em que começaram a burocratizar o trabalho e controlar cada fiscalização dos fiscais. Lembro-me que chegaram a sumir com processos importantes e desapareceram com os termos de interdição e apreensão de mercadorias... sem eles, os fiscais tinham que contar com a boa fé dos empresários se fosse necessário apreender, inutilizar ou interditar produtos.
Aos poucos fui me esforçando, aprendendo e conquistando meu espaço junto à equipe com a qual eu queria trabalhar. O trabalho era duro. Além de entrar em lugares sujos, contaminados e escuros, os caras lidavam com animais peçonhentos, pragas urbanas, parasitas de animais, animais silvestres e venenos variados. A particularidade do trabalho exigia vestimentas pesadas e quentes e vários EPIs. Não é pra qualquer um não. Ou você tem disposição e gosta, ou prefere ficar no ar condicionado ou de boa num serviço mais leve.
Quando teve início o governo do pemedebista Marcelo Barbieri, como já estávamos desiludidos do PT, tínhamos um projeto grande para Araraquara na área do Saneamento em Saúde Ambiental, mas apresentamos o projeto só para o novo governo. A proposta consistia basicamente em um grande levantamento através de vistorias e proposição de soluções feitas bairro por bairro, em todas as ruas e avenidas de Araraquara. Atividades simples de manutenção em vias, calçadas, edificações, praças e terrenos poderiam repercutir muito positivamente no padrão sanitário, epidemiológico e ambiental do município. Procuramos a maior liderança da época, o vereador Elias Chediek do PMDB. Me lembro de ter falado para ele que não se tratava apenas de um projeto, mas que tínhamos propostas sólidas , mais que isso, tínhamos paixão por Saúde Pública e, por isso, aquele projeto daria certo.
Não sei qual foi o destino do projeto, mas nunca tivemos uma resposta. A resposta que tive foi sobre a minha transferência definitiva. Foi finalmente aceita e eu estava na equipe na qual eu queria suar a camisa para ajudar no que fosse preciso.
Iniciei minha humilde batalha para ajudar meus companheiros a darem conta de toda a demanda. O número de atendimentos passava dos 6.000 por ano. Aí você pode pensar: "A equipe devia ser enorme.". Mas não. Não era. Éramos 3 fiscais; 1 motorista e; 1 Analista Administrativo. Chegamos a ter a colaboração de 2 agentes de combate às endemias e de mais 2 fiscais. Mas via de regra, para os atendimentos de rua éramos só os 3 fiscais. Então você pode pensar: "Nossa, então devia demorar pra atenderem as chamadas". Novamente não. Chegamos a atingir o padrão de atender cada pedido no próprio dia e ainda mantínhamos rotinas de controle de escorpiões em alguns bairros e de monitoramento de áreas de descarte de lixo e entulho.
Aprendi sobre a biologia dos "bichos" que tínhamos que lidar no dia-a-dia, aprendi a utilizar os equipamentos e a preparar as dosagens de inseticidas, raticidas e outros produtos químicos. Desenvolvi métodos de atendimento para humanizar nossa relação com a população.
Quando o trabalho andava de vento em popa, eis que me colocam um presidente de partido como coordenador da Vigilância em Saúde. Não sei a formação dele, mas com toda certeza não é em Saúde e muito menos em logística ou gestão de recursos humanos. Este coordenador entrou ali com alguns alvos. E eu era um destes alvos.
É bem fácil entender os motivos. O principal é que eu representava uma liderança em greves e manifestações e no próprio local de trabalho. Sempre participei de assembleias e greves de forma ativa e sempre questionei aquilo que achava irregular no trabalho. Mas havia outros motivos menores. Havia a ignorância e a imaginação de que eu seria do PT, já que tinha barba e fazia greves (deve ser isso).
Este senhor cujo nome é Feiz Mattar, ex-presidente do PP em Araraquara, não comparecia para trabalhar e ainda resolveu, sabe-se lá por qual razão, retirar alguns de nossos equipamentos e limitar os nossos trabalhos. Com esta atitude, o que já era difícil ficou quase impossível. Programas importantes começaram a falhar e equipamentos que demoramos anos para conseguir como doação da Receita Federal, conversando com gente de todo o canto para obter... nos foi tirado de uma só vez.
Sobrecarregado e inconformado com tudo isso, por conta de uma ordem para que não utilizássemos uma moto da Vigilância que ficava ociosa, dificultando ainda mais nosso trabalho... acabei dando um esparramo dentro da Vigilância e, para a minha então gerente e na frente de alguns fiscais, desabafei e esbravejei sobre o absurdo deste senhor não ir trabalhar e ainda nos atrapalhar. Falei bem alto e muito bravo, mas foi na presença de pessoas que, em tese, entenderam minha atitude como um desabafo.
Mais de um mês depois, quando estava no meio de uma grande greve de servidores, recebi uma ligação me alertando de que a Prefeitura estaria entrando com um Processo Administrativo para que eu fosse demitido por justa causa. De início fiquei tranquilo. Concursado, com vários anos de Prefeitura, uma ficha limpa e ilibada, sem faltas ou atestados... fiquei bem pouco preocupado.
Quando fui saber do processo, vi que era uma acusação de que eu havia agido de forma escandalosa no local de trabalho. Ao tentar entender a data e o que seria, lembrei deste dia e fiquei abismado que reclamar de um servidor comissionado que não vai trabalhar na presença de outros servidores poderia me causar algum prejuízo.
Ocorre que hoje, com quase 13 anos de Prefeitura e agora dirigente sindical que representa de forma digna, combativa e honesta uma enorme e importante categoria que contempla 8 municípios e cerca de 11.000 servidores da região central do estado de são Paulo, não tenho certeza sobre meu futuro como servidor público e como sindicalista.
Em meu processo administrativo (PAD), mesmo com documentos forjados, perdas de prazo e com depoimentos favoráveis a mim e que confirmaram que o coordenador não comparecia ao trabalho e que eu era um bom servidor, mesmo com tudo isso e com o parecer do procurador que acompanhou o PAD não determinando minha demissão, o secretário de negócios jurídicos da Prefeitura, cargo político, deu outro parecer e me demitiu. O Prefeito apenas ratificou esta decisão.
Meu julgamento em 1ª instância foi uma vergonha. Primeiro alguns servidores me alertaram de que a Juíza estaria comentando sobre o meu caso em outras audiências. Segundo eles ela perguntava se me conheciam e depois comentava que eu teria certeza da minha reintegração, mas que ela não teria se decidido ainda.
Em minha audiência ocorreu algo, no mínimo, estranho. A única pergunta que a Juíza me fez foi sobre um trecho de umas 5 ou 6 palavras de um texto deste mesmo blog onde eu escrevo que não me renderia a idólatras e hipócritas (ou algo assim). Ela me mostrou este pequeno trecho grifado no meio de umas onze ou doze laudas onde eu fazia inúmeras denúncias graves e me perguntou se eu havia escrito aquilo. Disse que provavelmente sim, já que vinha do meu blog. Aí ela me perguntou se eu sempre usava este palavreado. Disse que teria que ver em qual contexto aquelas palavras estavam inseridas e que não me recordava do texto todo. Ela então ditou minha resposta ao auxiliar dela e nos dispensou.
Ela, com base em um PAD todo torto e neste "importante" depoimento, decidiu ratificar cada absurdo existente no meu PAD. Toda irregularidade foi considerada insignificante e minha demissão foi mantida.
Mas aí veio algo intrigante. Poucos dias depois de julgar meu caso, a Juíza se afastou por problemas psiquiátricos e hoje está aposentada por invalidez. Aí eu me pergunto: Ela estava bem para julgar o meu caso? Sua condição de saúde não pode ter me prejudicado?
Como a Prefeitura, na ânsia de se livrar de mim, cometeu alguns equívocos na minha demissão e me deram a oportunidade de participar de uma disputada eleição sindical, acabamos vencemos e pude manter minhas esperanças na reintegração em 2ª instância e me sentir útil para os serviços públicos e para os servidores, agora como sindicalista de um sindicato com uma bonita história de lutas.
Lógico que a Prefeitura não se conformou e tentou através de algumas ações judiciais me tirar da diretoria do Sindicato. Mas não obteve êxito em nenhuma tentativa. O próprio prefeito usou de horário pago em rádio para dizer mentiras a meu respeito. Afirmou que eu não trabalhava e que ficava fazendo pesquisa na Unesp, algo que NUNCA aconteceu. Havia sim uma pesquisa em curso onde servidores da Prefeitura estavam trabalhando em parceria com professores e estudantes da Unesp, mas eu nunca fiz parte disso.
Para que se entenda o que representa para este governo me destruir, tentaram até cancelar a eleição do Sindicato e impugnar toda a chapa democraticamente eleita pelos servidores. Este tipo de interferência é vetada pela Constituição Federal. Mas o pior foi ouvir a sugestão da Justiça: "Saia da diretoria para acabar com este desgaste. O Sindicato pode te contratar como funcionário." Lamentável ouvir isso dentro de um órgão da Justiça do Trabalho.
Mas, voltando ao meu processo de reintegração, permanecemos firmes, fortes e cheios de esperança na 2ª instância. No dia da audiência a Prefeitura enviou uma tropa de advogados para o Tribunal junto com o secretário de negócios jurídicos (quem de fato me demitiu a pedido do Prefeito). Engraçado que em outras audiências onde o objeto é proteger o patrimônio público ou algum direito de servidores eles nem vão ou apenas enviam um procurador.
Infelizmente perdi novamente e desta vez foi um baque físico e emocional. Chorei, vomitei, tive diarreia, dores de cabeça e tudo que se possa imaginar quando estamos com uma crise nervosa e emocional. A única coisa para se comemorar foi que a decisão garantia minha permanência no Sindicato até o final do mandato (31/12/2015) e obriga a Prefeitura a me indenizar, o que para um ignorante como eu é ainda mais paradoxal... Me indeniza mas não me reintegra!?
Contratamos um escritório de advocacia em Brasilia para acompanhar meu caso, mas o Supremo negou provimento aos meus recursos, ou seja, agora a vaca foi pro brejo e minhas chances de voltar a ter meu emprego, o emprego que me tiraram injustamente, ficou bem mais difícil.
O que é ruim sempre pode piorar. Passei em 2 concursos públicos. Um em 3º e outro em 1º lugar. Os 2 para trabalhar no combate à Dengue, porém, nos editais dos 2 concursos consta uma proibição para o candidato assumir o cargo se ele tiver uma demissão "a bem do serviço público" com trânsito em julgado. Então estou triplamente penalizado por ter reclamado em alto e bom tom na presença de outros servidores que meu chefe não ia trabalhar.
Por isso comecei esta postagem me colocando como uma raridade. Mas, mesmo me considerando raro, para quem colecionou minha cabeça fazer isso não é nada difícil e nem raro. Já fez com outros servidores e continua fazendo. Em Araraquara esta decisão abre precedentes para a manutenção de um coronelismo ultrapassado, fascista e ainda acobertado pela Justiça.
Sou concursado, fui demitido sem fazer nada que merecesse tamanha penalidade e não consigo reverter minha situação. Todas as pessoas que me conhecem e conhecem o meu trabalho na Prefeitura estão chocadas com a decisão da Justiça. Todos os advogados que sabem do caso acham tudo isso muito estranho e improvável... Mas a Justiça me trata como um zero à esquerda... como um número e não como um trabalhador... não como um cidadão com direitos... não como um ser humano...
A quem devo e posso pedir ajuda??? Agora é só disso que eu preciso. Ajuda para reverter e tornar público este enorme absurdo.
Mesmo com toda esta injustiça, sigo em meu caminho de forma honesta e digna. Trabalho muito e luto contra as injustiças ocorridas contra servidores, mas fico com dúvidas em garantir aos trabalhadores que represento que todos seremos respeitados em nossos direitos e que todos somos iguais perante a Justiça...
Se você leu até aqui e sabe como me ajudar, por favor faça contato comigo por aqui ou pelo meu perfil no facebook. Mas se não sabe como me ajudar, peço apenas que compartilhe minha história e me ajude a combater injustiças como esta que estou vivendo.
Obrigado e até a próxima....